Desafios e conquistas da Umbanda na cidade

 

VITÓRIA AUGUSTA – A Umbanda, uma das religiões afro-brasileiras mais influentes no Brasil, tem se expandido em Bom Despacho, especialmente entre os jovens, apesar dos desafios impostos pela cidade, que é fortemente marcada pela tradição católica. Esta religião, com uma história que remonta ao início do século XX, é um verdadeiro símbolo de resistência cultural. Em Bom Despacho, a prática da Umbanda segue o caminho da luta por respeito e aceitação, enfrentando preconceitos e estigmas ainda presentes na sociedade.

A Umbanda é uma religião de sincretismo, que mistura elementos das religiões africanas, indígenas e do espiritismo, com base em três pilares principais: caridade, evolução espiritual e amor. Para muitas pessoas, ela representa uma fonte de cura, orientação espiritual e fortalecimento comunitário, mas também um espaço de resistência frente aos preconceitos que ainda marcam a sociedade.

Mãe Daniele de Oxum e Mãe Clara de Oxum, duas das principais líderes religiosas da cidade, vivem na pele os desafios de serem jovens e mulheres à frente de um terreiro. Ambas sabem o que é ser descredibilizada, muitas vezes duvidando de suas capacidades por sua idade ou pelo fato de serem mulheres.

Em entrevista a esta colunista, ambas compartilham suas trajetórias e os desafios enfrentados. “A Umbanda é muitas vezes mal interpretada, associada a superstições e práticas obscuras. Mas é uma religião que prega a caridade, o amor e a evolução espiritual”, afirma Mãe Daniele de Oxum.

Desafios 

O terreiro “Tenda de Umbanda Chamado de Cura” é um espaço simples, mas cheio de amor e acolhimento. Localizado no bairro São José, região tradicional da cidade, o terreiro começou com pequenas reuniões no quintal da casa de Mãe Daniele. Com apenas três pessoas inicialmente, foi crescendo até se tornar um ponto de referência para os umbandistas da cidade. Hoje, com 14 médiuns atuantes, o terreiro segue transmitindo os ensinamentos da Umbanda, apesar das dificuldades.

Recentemente, o terreiro precisou mudar devido à intolerância religiosa de vizinhos. Mãe Clara conta que o grupo não desanimou. “O importante é que nossa fé continue firme. A Umbanda é uma religião de inclusão, que preza pela evolução espiritual e pela caridade”, afirma. Mesmo com a mudança de endereço, o terreiro segue sua missão de proporcionar um espaço de espiritualidade e acolhimento para os fieis.

A intolerância religiosa, especialmente em relação às religiões de matriz africana, ainda é um dos maiores desafios enfrentados pelos umbandistas em Bom Despacho. A falta de conhecimento sobre a Umbanda e a propagação de fake news sobre a religião criam um ambiente hostil. Os preconceitos ainda são muitos, principalmente pela falta de compreensão sobre o que é a Umbanda. “As pessoas precisam entender que a Umbanda não é o mal, mas sim um caminho de luz, evolução e cura”, explica Mãe Daniele.

Elemento de transformação

Em Bom Despacho, cerca de 4.000 pessoas praticam a Umbanda. Mas, muitas vezes, essas práticas são realizadas em lugares discretos e escondidos devido ao receio de ataques e hostilidade. Infelizmente, ainda há quem queira destruir os terreiros, invadir, queimar, atacar. No entanto, o terreiro “Tenda de Umbanda Chamado de Cura” segue na missão de promover a espiritualidade e a transformação. “A Umbanda é sobre amor, caridade, respeito e transformação de vidas. Quem realmente vive a Umbanda, sente a energia de paz que ela transmite”, diz Mãe Daniele. Além de ser um local de força espiritual, o terreiro também se diferencia por se espaço para crianças, que pode ser visto como um reflexo da preocupação das líderes com o futuro da religião e a transmissão de seus valores para as novas gerações. O uso do branco no ambiente simboliza igualdade, e o cruzeiro das almas, presente no local, reforça o compromisso com a evolução espiritual e a cura.

Espaço de acolhimento

A gira, cerimônia que marca o início dos trabalhos no terreiro, começa com os pontos, que são músicas e orações voltadas para as histórias e vivências das entidades. Cada ponto carrega em si uma energia única, que ressoa no coração dos presentes, conectando-os com o divino. O som do atabaque, tocado por duas jovens mediadoras, reverbera pelo espaço, criando uma sensação que vai além da música. É como se a própria energia da Umbanda envolvesse todos ali. O ritmo é tão potente que faz os corpos se moverem ao como das batidas, enquanto o espírito de paz e acolhimento preenchem o ambiente.

O Congá, local sagrado dentro do terreiro, é o centro espiritual onde os médiuns se conectam diretamente com as entidades. É ali que, com humildade e devoção, as forças invisíveis se manifestam. A energia do Congá é palpável, um lugar de poder, transformação e cura, onde cada gesto e cada oração têm um propósito maior: o de fortalecer a fé e a confiança dos praticantes. A Umbanda, como explicou Mãe Daniele de Oxum, é uma “colcha de retalhos” que acolhe a todos sem distinção de gênero, classe social ou religião. “Aqui, todos são iguais, e a principal exigência é ter humildade. Na Umbanda, a intolerância não tem espaço”, afirma.

Apesar das dificuldades, a Umbanda tem se mostrado cada vez mais presente e segue na luta pelo respeito em Bom Despacho, como um reflexo da luta pela aceitação e compreensão da diversidade religiosa. Para as líderes, é fundamental continuar desmistificando a Umbanda e mostrando que ela é um caminho legítimo de fé e espiritualidade. “É preciso parar de ver as religiões de origem afro como
algo do mal”, concluem.

Com seus ensinamentos de inclusão, respeito e caridade, a Umbanda segue em frente, mostrando resiliência e força, e convidando todos a construir uma sociedade mais plural e respeitosa, onde todas as crenças possam coexistir de forma harmoniosa. (Vitória Augusta é acadêmica de Jornalismo e neta do bom-despachense Bené Peão).

 

One thought on “Desafios e conquistas da Umbanda na cidade

  • 21 de maio de 2025 em 21:32
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    Parabéns pela belíssima reportagem. Apresentando a religião para quem nao conhece e mostrando seu valor e a importância do respeito às religiões de matriz africana. Uma cidade cheia de axé e história que abraçou suas raízes e se expande cada dia mais.

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